sábado, abril 19

No corpo

Pode ser inexperiência em conceituar ou pura exaltação de um hedonismo sensorial mas eu continuo a abolir — com distinta alegria — a única (otimismo?) característica que me diferencia de um macaco: a razão.
Amor, ódio, fidelidade, traição, alegria, tristeza, coragem, vergonha. A lista de sentimentos a serem conceituados é enorme. E graças a deus minha língua-mãe é o português porque aqueles alemães têm ainda mais palavras denominando sentimentos.
Eu gosto de sentir. Não nego a razão, a intuição ou qualquer classificação advinda da memória, mas os cinco sentidos explicitam meus sentimentos com muita clareza. E isso acaba sendo extremamente útil para alguém que adora questionar a credibilidade dos fatos, da memória e de uma única perspectiva.
O mundo é mutável (e você deve interpretar o mundo dessa frase tanto na sua abordagem cósmica quanto cotidiana). Então, porque os sentimentos deveriam ficar arquivados em pastas? Se o desdém de cinco minutos fica simpático após uma dose de tequila e vira sua amada esposa em cinco anos... Digo: se uma dose de álcool consegue transmutar seus sentimentos, o que há de errado em arrancar deles suas características imutáveis e começar a subjetivá-los através dos cinco sentidos?
Sabe aquele "amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente" do Camões? Todo mundo adora o jogo dualista de sensações porque a conclusão a que se chega ao final do poema é: não é possível caracterizar o amor. Quando, de fato, é. E a gente faz isso o tempo todo. Explicar isso usando o temível Amor é o exemplo mais fácil: imagine uma linha bem comprida onde um extremo é o amor e, o outro, indiferença. Quem nunca nutriu apatia por uma namorada que tanto amou? E quem, depois disso, não viu esse sentimento completamente oposto ao primeiro se tornar alguma coisa que estaria se equilibrando no meio dessa linha?
Sentimentos são mutáveis e cada sentimento em particular se expressa de diversas formas. Isso não é quantificá-los pela intensidade com que são expressos. E antes que a necessidade de justificativas vire uma fuga no desenvolvimento desse post eu retomo às sensações físicas.
Freud denominou por id os impulsos que buscam a satisfação imediata. Chegou até a comparar o id a um cavalo selvagem que é domado e regrado pelas convenções morais impostas e aceitas pela sociedade. Esse cavalo não obedece às leis da lógica então é possível que existam impulsos contraditórios sem que um anule a existência do outro. Quando transfigurados ao campo sensorial, esses impulsos são compreendidos através dos cinco sentidos. A classificação e a teorização deles são importantes para entender o que sentimos, mas e quando a gente começa a priorizar a subjetividade e simplesmente esquece de sentir? É como saber que nessa xícara a minha frente tem café preto sem açúcar e escolher entre duas direções: sentir o gosto do café, seu aroma e textura ou analisar a virilidade implícita em tomá-lo quase amargo, e imaginar o quanto os efeitos da cafeína respondem pela minha personalidade.
O tal hedonismo sensorial deve ser destacado junto à razão. Gosto de acreditar que o meu corpo é capaz de explicar o que meu cérebro demoraria anos para compreender. A angústia pode ser percebida em diferentes pessoas como um trauma de infância mal resolvido ou a incapacidade em aceitar uma doença incurável. Para mim, a angústia é uma dor de estômago. Simples assim. O medo é a perna direita começando a ficar bamba e a coragem é a perna esquerda dando suporte para a perna direita retomar o passo. A compaixão são os olhos lacrimejando quando minha amiga contou sobre a quinta sessão de quimioterapia que sua tia está fazendo e o amor é um abraço de quarenta e cinco segundos.

Um comentário:

Unknown disse...

A dualidade estará sempre presente em nossas vida, pois temos que efetuar escolhas diariamente. O darwinismo é o meio que comprovará a efeciência dos rumos que decidimos tomar :) www.h18.blogger.com.br