domingo, maio 25

Pejo

Bêbados. Viúvos. Solteironas. Moderninhos deslocados. Casais estranhos. Uma noiva numa despedida de solteira com as amigas. Um bar numa noite de karaokê. Coisa antiquada que trouxe cada um aqui através de um atrativo diferente. Os bêbados querem ficar imperceptíveis entre a platéia. Os viúvos, chorar mágoas e ressentimentos. As solteironas, cantar Roberto Carlos e Celly Campelo. Eu. Eu quero subir naquele palco. Sentir o calor do holofote fazendo minha face corar ainda mais. Gesticular com graça a falta de graça na minha voz. Quero meu rosto enquadrado no telão. Deixar que as pessoas enxerguem minha testa suada, minhas rugas amareladas, meu dente escurecido.
Todos que sobem ali querem, no fim das contas, a mesma coisa: serem vistos, expostos. Dividir a atenção com o cenário brega é uma ambição degradante, mas pior é a frustração de ficar sentado, assistindo o show dos outros. É como voltar aos momentos de tosquice da infância e sentir-se de novo o último escolhido para jogar bola com os meninos da rua. Fazer parte do time de cantores da noite pode parecer estúpido, eu sei, mas não fazer parte de time algum é ainda pior.
Hoje eu não cantei. De novo. Uma vez por semana eu vou nessa noite de karaokê e, até agora, tenho ido sozinho. Não é fácil encontr Bem, que mentira. Eu nunca chamei ninguém para ir numa dessas noites comigo porque ainda estou entendendo a dinâmica do lugar. Quanta mentira. Eu sei como funciona o bar. Eu não chamei ninguém porque ainda estou (aprendendo, acho) aprendendo a rir de mim mesmo. Ou você acha que eu não compartilho da sua opinião? Karaokê é antiquado e brega. Vexaminoso. As fitas laminadas amarradas por todo o salão constituem, por si só, uma piada. Portanto eu vou sozinho. Ninguém sabe, mas nas noites de quinta eu canto nesse bar.
Não, não canto. De verdade, canto, mas só, só, da minha mesa. O palco eu ainda não pisei. Tudo tem seu tempo e eu tenho meu tempo para aprender a rir de mim e dessas vontades esdrúxulas. Subir no palco, desinibido, e entreter aquela gente estranha parece algo fácil de fazer, mas puta passo difícil de tomar. Já cheguei a colocar meu nome na lista, mas acabei deixando que me chamassem. Duas, três vezes, até passarem para o próximo da fila. Fui tomado por um frio na barriga e fiquei ali no canto do salão escuro, vermelho.
Escovo os dentes, durmo, trabalho, escovo os dentes. Sete vezes e aqui estou escolhendo uma camisa colorida. Vai ser hoje: resolvi cantar Chico Buarque. Uma ânsia a semana toda parece ter me impulsionado para mais uma quinta-feira. Chega desse vai-não-vai. (Não consigo pensar qual cor de camisa vai me destacar nas bexigas amarelas do salão) Vou subir no palco e mostrar que posso ser uma pessoa que ri de si mesmo. Tem algo doentio em querer tanto se exibir, mas o que mais posso fazer? Ficar sentado é fácil demais para alguém tão interessante quanto eu. Quem sabe. Talvez eles gostem da minha voz. Ou talvez eu conquiste todos com um certo carisma.
Do carro eu vejo as luzes apagadas no salão acima do que, de dia, é uma peixaria. Descontente, vou até o papel que diz "Não darei continuidadi ao Karaokê-bar. Obrigado. Vanuza". Que saco. Frustrante, entende? (Além dos erros gramaticais no papel, o meu, de adiar a coisa toda) Eu finalmente estava pronto para cantar. Dei tempo ao tempo mas o tempo se perdeu. Nada para fazer nesta quinta-feira. Dobro minha camisa para guardá-la na gaveta mas o cheiro forte do perfume ficou preso nela. Amasso ela num cesto junto com minhas meias e escovo os dentes. Depois durmo. E depois trabalho.

2 comentários:

Anônimo disse...

O que mais vale é a coragem de ter tentado, e não o arrependimento de nunca ter feito.

mosaicofluido disse...

por vezes já fui acometida de louco desejo, vontades esdrúxulas de cantar "Como uma Deusa"(lembra da Rosana? carão, franja milimétrica, weird tipe...?) num karaokê brega no underground noturno, rodeada de desconhecidos... Entendo esse ímpeto.